Há um instante – breve, silencioso, mas decisivo – em que tudo se joga.
Pode ser antes de erguer a mão numa reunião.
Pode ser quando pedem a nossa opinião numa reunião.
Pode ser ao receber o convite inesperado para liderar um projeto.
Ou quando lemos a descrição de uma função que, em segredo, gostaríamos de assumir.
É nesse instante que tantas vezes surge a voz:
“E se não estiver à altura?”
“E se falhar?”
“E se descobrirem que afinal não sou tão competente assim?”
Se este diálogo interno lhe soa familiar, não está só.
Este tema chegou até mim pela sugestão de uma subscritora da newsletter (“Como não duvidar da nossa capacidade”) – e não podia ser mais pertinente. Porque esta dúvida não é exceção: é recorrente, quase um ruído de fundo da carreira.
Ela aparece em todas as fases: no arranque, no meio do caminho, e até quando já se conquistou muito.
Surge no dia a dia, nas transições, e até nos momentos de sucesso.
A dúvida não é apenas uma sensação desconfortável. Ela molda decisões.
Na ação: hesitamos em assumir projetos de maior visibilidade ou em candidatarmo-nos a novas funções.
Na imagem: transmitimos menos confiança do que realmente temos.
Na exposição: deixamos de procurar oportunidades e permanecemos numa zona de conforto que nos parece segura, mas que nos limita.
E o impacto vai muito além do momento imediato. A literatura científica é clara: pessoas que acreditam menos nas próprias capacidades têm maior probabilidade de estagnar profissionalmente, mesmo quando o talento e a experiência estão lá.
Albert Bandura chamou-lhe autoeficácia – a crença de que somos capazes de executar ações necessárias para alcançar determinados resultados.
Ou seja: não é apenas o que sabemos fazer. É o quanto acreditamos que conseguimos fazer.
Mais tarde, Lent e Brown trouxeram este conceito para a gestão pessoal de carreira, mostrando como as crenças de autoeficácia influenciam não só o desempenho no presente, mas também as escolhas de carreira.
A perceção de autoeficácia determina se ousamos dar um salto, procurar uma promoção, ou até arriscar numa mudança de setor.
A investigação reforça esta ligação. Estudos como os de Stajkovic & Luthans (1998) e Judge & Bono (2001) mostram uma correlação significativa entre perceção de autoeficácia e performance profissional. Mais recentemente, Honicke & Broadbent, 2016 confirmam o mesmo efeito em contextos de aprendizagem e evolução de competências – elementos centrais no crescimento de carreira. Investigação longitudinal de Abele & Spurk (2009) acompanhou profissionais durante 7 anos e confirmou que níveis mais elevados de autoeficácia no início da carreira estavam significativamente associados a maior progressão salarial e hierárquica ao longo do tempo.
Traduzindo: a dúvida não mina apenas a confiança momentânea. Mina o próprio caminho que escolhemos trilhar.
Duvidar das capacidades pode levar a três armadilhas frequentes:
-> Autossabotagem: evitar agarrar determinadas oportunidades para não correr o risco de falhar.
-> Síndrome do impostor prolongada: manter uma perceção constante de insuficiência, mesmo com provas objetivas de competência.
-> Estagnação invisível: continuar a fazer bem o trabalho… mas sem dar os passos que realmente conduzem ao crescimento e reconhecimento.
E se isto parece demasiado familiar, é porque muitas pessoas – especialmente mulheres – vivem este ciclo.
Investigação recente da KPMG (2020) mostrou que 75% das mulheres em cargos de liderança já sentiram dúvidas sobre as suas próprias capacidades, mesmo depois de conquistas significativas – e 56% afirmaram recear que as pessoas à sua volta não as julgassem tão capazes como se esperaria.
Duvidar faz parte. O problema não é a dúvida existir, mas quando deixamos que ela tome o lugar da ação.
A boa notícia: a perceção de autoeficácia não é uma característica fixa, mas sim um processo em constante construção. Há várias formas de alimentá-la no dia a dia e fortalecê-la.
Eis alguns caminhos:
A memória humana tem um viés: lembramo-nos mais facilmente dos fracassos do que das conquistas. Por isso, criar um “arquivo de conquistas” é essencial. Guarde e-mails de reconhecimento, registe métricas de projetos bem-sucedidos, anote feedbacks positivos de clientes ou colegas.
Quando a dúvida aparecer, revisitar esse arquivo ajuda a reposicionar a perceção: não se trata de “achar” que tem valor, mas de recordar evidências objetivas de que já entregou resultados.
Muitos acreditam que primeiro é preciso ter confiança para depois agir. A investigação mostra mais o contrário: é a ação que gera confiança. Cada vez que enfrentamos um desafio, mesmo sem nos sentirmos prontos, ampliamos as referências internas de que somos capazes.
Exemplo prático: aceitar liderar uma reunião, mesmo com receio inicial, aumenta a probabilidade de que a próxima seja encarada com mais naturalidade. O “fiz” é sempre mais forte do que o “um dia hei de fazer”.
A perceção de autoeficácia também se alimenta do olhar dos outros. Ampliar conexões – dentro da organização, no mercado externo, no presencial ou no digital – abre espaço para novas perspetivas, reforços positivos e oportunidades inesperadas.
Internamente, procure contacto com colegas de outras áreas; externamente, envolva-se em associações profissionais; no digital, ative-se no Linkedin. Essa diversificação não só amplia o acesso a recursos como também funciona como um espelho coletivo: é no feedback e na troca que percebemos o nosso próprio crescimento.
A forma como falamos connosco molda diretamente a forma como nos vemos. Expressões automáticas como “não sou capaz” ou “não tenho perfil” bloqueiam a perceção de autoeficácia. Uma pequena palavra faz diferença: o “ainda”.
“Ainda não domino esta ferramenta” abre espaço para o progresso, ao contrário de “nunca vou perceber isto”.
Estudos em psicologia cognitiva demonstram que ajustar a linguagem interna aumenta a persistência e o desempenho.
Treine falar consigo como falaria com um colega que respeita: firme, mas encorajador.
Bandura chamava a isto experiência vicária: observar alguém com quem nos identificamos a alcançar determinado objetivo reforça a crença de que também podemos.
Um mentor pode dar um apoio estruturado, mas também é possível aprender observando colegas, líderes ou mesmo referências no setor.
O importante é escolher modelos realistas: pessoas em trajetórias que parecem ao nosso alcance, e não exemplos tão distantes que, em vez de inspirar, gerem frustração.
Em vez de encarar cada falha como confirmação de incapacidade, veja-a como ensaio. Profissionais com alta perceção de autoeficácia não ignoram os erros, mas tratam-nos como feedback para ajustar a próxima tentativa.
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A perceção de autoeficácia não cresce apenas pela reflexão – cresce sobretudo pela ação, pelo registo das conquistas, pelo reforço das conexões e pela forma como reinterpretamos a nossa trajetória. É um músculo psicológico, e como qualquer músculo, fortalece-se com treino consistente.
Duvidar das próprias capacidades não é sinal de fraqueza. É sinal de humanidade.
O que não podemos é permitir que essa dúvida decida por nós.
Porque quando deixamos de acreditar, o que está em causa não é apenas uma oportunidade perdida – é a narrativa da nossa própria carreira a ser escrita pelos receios, em vez de pelas escolhas conscientes.
E se há algo que gostaria que leve desta leitura é isto:
A perceção de autoeficácia constrói-se. Todos os dias.
E talvez a primeira decisão seja esta: escolher não deixar que a dúvida tenha a última palavra.
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