Há uma cena que se repete em muitas carreiras:
Abrimos o Linkedin para atualizar o perfil, hesitamos em carregar no botão “Salvar”… e logo imaginamos o pior cenário: “E se o meu chefe vê?”
A verdade é que procurar emprego enquanto se está empregado é, simultaneamente, uma das jogadas mais inteligentes – e uma das mais delicadas – da vida profissional.
Estar empregado dá uma vantagem enorme a quem procura uma nova posição:
-> Tranquilidade: o processo é menos ‘desesperado’.
-> Negociação: há margem para recusar o que não serve.
-> Perceção de valor: empresas olham com outros olhos para quem já está em funções.
Mas também traz um problema: como fazer isso sem que a sua empresa perceba?
É aqui que entra o jogo de cintura.
Do ponto de vista das empresas, alguém que está empregado transmite três mensagens poderosas:
-> Está atualizado no mercado.
-> Não tem pressa (logo, deve ser bom no que faz).
-> Não levanta tantas dúvidas – afinal, não está “entre empregos”.
Do ponto de vista do profissional, esta posição oferece segurança e poder de escolha.
É como jogar poker com fichas de sobra.
Agora, o outro lado da moeda: procurar emprego enquanto trabalha pode ser como andar numa corda bamba sem rede.
Mudanças abruptas no LinkedIn acendem alarmes.
-> Atualizar o título da função com algo inflacionado ou distante da realidade interna: de repente passa de “Técnico de Recursos Humanos” a “Consultor de Desenvolvimento de Talento”? Quem trabalha consigo nota a diferença.
-> Começar a adicionar dezenas de novas conexões da mesma área ou de empresas concorrentes, em poucos dias: também levanta sobrancelhas.
-> Seguir, comentar e interagir intensamente com recrutadores e headhunters em público: fácil de perceber para quem acompanha a sua atividade.
Não subestime o poder da rádio-corredor.
Um comentário, uma piada ou até uma conversa num café pode chegar à gestão em menos de 24 horas.
Chefias têm olhos treinados para mudanças subtis: mais ausências, pedidos frequentes de “assuntos pessoais ou familiares”, atenção dividida… Tudo isso alimenta suspeitas.
E o problema é que, mesmo que ainda não tenha proposta nenhuma em mãos, a sua reputação interna já pode ficar marcada.
Aqui está o coração da questão. Procurar emprego sem levantar suspeitas não é sobre ser invisível. É sobre ser estrategicamente discreto.
-> Atualize aos poucos: nada de revoluções de perfil em 24h. Vá inserindo melhorias semana a semana, de forma natural.
-> Use apenas a versão privada do open to work: só recrutadores verão (ou não use de todo, correndo menos riscos).
-> Construa reputação de conteúdo, não só de CV/perfil: partilhe reflexões, comente posts relevantes, mostre presença. Assim, a sua atividade é vista como normal, não como suspeita.
-> Evite exageros: não se torne de repente hiperativa na rede – pode parecer artificial.
O mercado move-se muito por conexões, não só por anúncios de emprego.
-> Retome conversas com antigos colegas – uma mensagem simples pode abrir portas.
-> Invista em eventos ou grupos fora do radar da sua empresa.
-> Selecione bem a quem revela intenções: confiança é ouro.
Se alguém reparar na sua maior atividade online, tenha argumentos prontos.
Exemplos:
“Descobri recursos incríveis no Linkedin e conteúdos incríveis no Linkedin Learning, ando a aproveitar ao máximo!”
“Tenho usado o Linkedin para aprender e para me ligar a antigos colegas – tem sido ótimo!”
É plausível, positivo e tira o peso de “está a procurar sair”.
Explorar o mercado não obriga a candidatar-se a tudo.
-> Marque conversas exploratórias.
-> Dê-se ao luxo de recusar oportunidades que não fazem sentido.
-> Lembre-se: estar empregado é o seu maior escudo.
Não dramatize. Use como oportunidade.
“Estou a conhecer o mercado, faz parte da gestão de carreira…”
Muitas vezes, esta revelação serve de wake-up call à própria empresa.
Já vi casos em que essa exposição forçou a gestão a agir: aumentos, promoções, projetos desafiantes.
Nem sempre acontece – mas quando acontece, é poderoso.
Aqui está a parte mais desconfortável.
Muitos profissionais sentem-se culpados. Como se estivessem a “enganar” a empresa.
Mas vamos ser claros: empresas (também) tomam decisões de negócio. Cortam custos, cancelam funções, mudam prioridades.
A sua carreira é, antes de mais, o seu projeto de vida.
A lealdade primeira não é à empresa.
É à sua trajetória.
E procurar emprego enquanto trabalha não é trair.
É proteger o futuro.
Procurar emprego em silêncio não é covardia.
É estratégia.
É assumir que o mercado é competitivo, que as perceções importam e que cada movimento precisa de ser pensado.
E se há algo que vale a pena repetir: ninguém cuidará da sua carreira com a mesma prioridade que você.
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